terça-feira, 23 de junho de 2015

Dos sonhos

É engraçado como às vezes as coisas são escritas não para serem lembradas, mas para serem simplesmente esquecidas ou perdoadas.
Pensando nas coisas que escrevo, noto que escrevo pouco; por desatenção ou soberba, as palavras vão sendo ditas, mas não digeridas nas folhas de papel. 
Hoje à tarde tive um sonho tão nítido (posso chamá-lo assim?). Sonhei que me via no futuro. E  vi uma mulher. Uma mulher salgada, não a menina doce que sou hoje. Essa mulher era lúcida, mas ainda de poucas rugas. Ela falava português, espanhol, francês, inglês, chinês e polonês - e falava porque finalmente havia entendido que as línguas só importam quando se tocam, que mais que tudo ela as procurava porque precisava de todas, todas as pessoas, todos os tons e fugas que as palavras criam no espaço.
Essa mulher salgada não acreditava em sorte. Ela olhava como quem sabia que levava a vida às vezes por demais a sério, mas subitamente também sabia se desarmar por inteiro e sorrir.
Ela aprendera que não deveria dar seu coração duas vezes a mesma pessoa. E que a tristeza fazia brilhar outras coisas.
Era capaz de grande ternura: pelos outros, por si mesma. E só por ser capaz de se amar tanto que nela resistia a audácia de ir ver - tocar o bendito do maldito fogo, se sentir no escuro, vestir a própria pele como o hábito sagrado dos que guardam as parábolas dos céus. O hábito: a pele. A pele: forma, linha, cor e conteúdo de amor. 

("que coisa bela amar" - me lembrei de uma música que tinha essa frase. E amadurecer. E lucidez. E olhar.)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Memória da nudez I

Tem horas que olho para as imagens e fico me debatendo como elas não atingiram o que eu vi, como não consegui passar o que me capturou no momento. Nessas horas, a simplicidade: “nunca disse que tiraria boas fotos”. Não sei quando comecei a pensar nisso. Esse pensamento traz uma liberdade muito grande. Não tiro minha responsabilidade, ou melhor: responsabilidade também não há.

Constantemente me pego pensando na vida e é tão forte a sensação de ter nascido ontem.
Quando tinha uns oito anos, comecei a fazer uma brincadeira comigo que até hoje me acompanha.

Deitava na cama, deixava o corpo relaxar, respirava fundo. Quando me sentia leve, fechava os olhos por uns cinco minutos. Nesses cincos minutos, gostava de pensar que não sabia em que mundo estava, não sabia em que casa morava, não reconheceria meus pais, meu nome, meu corpo. Não teria sido me dado um idioma ainda. Recuperaria o movimento dos braços à medida que abrisse os olhos lentamente.

 Quando os cinco minutos terminavam, tinha uma única instrução: olhar devagar ao redor; mas nome nenhum daria para as coisas.

Quando abri os olhos, olhei para meu corpo nu, sem saber que era corpo, sem saber que estava nu.

Olhei para os lados, vi o piano. Olhei para o outro, vi os brinquedos. Mas palavra nenhuma se passava em minha mente, tudo era uma imagem amorfa que eu teria que buscar o significado. Como? Talvez entrando em contato, sentindo a textura, lambendo, quebrando, engolindo...

Aos poucos, minha memória voltava ao plano presente. Ia me lembrando como quem contasse uma história e de-repente-a tempo do desfecho final se lembrasse do segredo antes esquecido.

Vou acordando, me sentindo, me reconhecendo como pele, como homem? Como mulher? Menina? Pessoa? Ainda não sei. Muito avançado.

Reconheço que o corpo é jovem, poucos pelos, poucos peitos. Reconheço que sei pouco sobre o que me cerca, mesmo já rememorando. A figura do astronauta colada na parede acena para mim. Quantos mistérios a nudez do universo carregava? O astronauta quando pousasse na Terra estaria nu?

Minha nudez é passageira, começo a sentir vergonha. Ponho uma roupa, sinto sede. Vou buscar água, é um imperativo, mas não a entendo. Desejava que meu corpo fosse nu para entender porque precisava tanto dela, mas minhas veias sempre foram difíceis de ver.


Volto para o que conheço, meu pai me chama. Olho para ele ainda perplexa, ainda reconhecendo. O cachorro late mais forte, as crianças da rua chamam o nome que é meu. Ponho meias, vou desbrincar de gente, lembrando a hora de voltar, de me esquecer novamente como num confidente jogo de esconde esconde de sombras, sussuros, imagens.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Diariamente

Decidi começar a escrever para não esquecer os devaneios que passam pela minha cabeça ao longo do dia, para não esquecer os pensamentos profundos que meus amigos me ensinam, para não esquecer os momentos de reflexão, de pureza, de caos, de procura.
Há momentos em que escrevo mais, outros que escrevo menos. Há momentos – em outros momentos dessa vez – que também escrevo melhor; me faço mais compreensível, para mim e para ti. O pausar das vírgulas acompanha o ritmo da minha voz, quem me conhece sabe e deve entender melhor do que eu o que estou dizendo com isso.
Comecei a escrever por causa da beleza. Com letrinha minúscula. A beleza que de tanto avançar pelos meus olhos fez de mim um ser míope, só enxergando bem de perto. Mais um motivo porque costumo falar devagar.
Para atravessar as fronteiras do além-de-mim, também escrevo. É possível desviar dos buracos de pretensão que se encontram no caminho? Às vezes. E vejo nesses descaminhos razões para desacelerar, reencontrar o passo ou uma migalha de joão e maria me dizendo outro caminho a seguir.
Escrever me acalma. Me faz querer dizer tudo no presente, sabe a calma que é o presente?
Me traz luz.
E se possível dá luz.



domingo, 29 de junho de 2014

Nada de novo

Se entende a vida com a morte.

A dimensão é grande. Intocável.
No entanto caminho,
com pés largos no chão.

Mergulho em rios e ensurdeço toda dor
Para logo em seguida ver que o céu continua lá
gritando em suas cores múltiplas,
continua me convidando ao Acaso.

Não saberia dizer quem fui,
quem me tornei.
Nem mais almejo a presunção de se fazer um eu no futuro com pregos já batidos
tábuas retilíneas
A segurança que se debate em inseguranças miúdas esquecidas nos bolsos furados.

Sinto olhos em todo meu corpo,
Conscientes
Sabendo quando calar e ter compaixão com a verdade.

Desejo antes a inevitável procura
que faz de meus ouvidos mais e mais profundos
e meus olhos mais e mais abertos
ante a anestesia cotidiana.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A Árvore

Minha mãe tinha me dito pra procurar a minha árvore e conversar com ela. Sinceramente, eu tava muito puta, com raiva e triste pra ir ao meio da Redenção ou do Moinhos procurar a tal da árvore, se pudesse não sairia do quarto, ou sairia dele e iria para outra dimensão do espaço tempo.
Então hoje aconteceu. Tinha acabado de almoçar e resolvi deitar um pouco num dos bancos em frente à faculdade. Deitei simplesmente até esperar o horário pra ir pro trabalho. Deitei sem nenhuma pretensão, queria descansar em um lugar tranquilo, sem perturbações, sem barulhos, sem consumo. Então quando deito e abro os olhos, vejo minha árvore. Bem em cima de mim, diante dos meus olhos. Pura ironia do destino. Ri mesmo, eu que não queria saber de procurar árvore me dei de cara com uma, e o mais irônico é que sempre passei por ela todos os dias, mas nunca cheguei perto de deitar e conversar com ela.
Já que estava nessa situação, resolvi me permitir pensar na vida, relaxar meus ombros tristes e ver no que ia dar. Estava descrente de qualquer resposta ou sinal de Deus, porque eu já tinha pedido tantos. Pedia que no meio do caminho houvesse uma pedra ou no meio do sonho um sinal, mas nada havia acontecido até então.
Quando permiti minha mente para sentir, o incrível e maravilhoso aconteceu.
Comecei a conversar com alguém. Com certeza. E eu sabia com todas as forças e fé que ainda me restava que estava conversando exatamente com a árvore.
A Árvore era muito bonita; tinha folhas muito verdes e a luz do Sol amarelava e fazia brilhar cada galho. Era lindo. Fiquei olhando o tempo todo para ela, fiz perguntas, tive a sorte de receber respostas.
Ela me disse que temos duas mentes, uma racional e outra emocional, e que eu estava olhando muito só com a mente racional para a minha vida. Ou então, só olhava com a emocional em determinados momentos, e isso me fazia sofrer. Ela então me disse que eu devia ser mais como ela, uma árvore. “Milhares de pessoas passam por mim diariamente, poucas tocam, falam comigo, a maioria passa por aqui como se eu não existisse. E o que eu faço em troca? Nada. Estou aqui há muitos anos, meus galhos cresceram, estou forte, bonita, também com galhos secos, mas com folhas vivas e muito verdes. Vês?”. E continuou dizendo.  Disse que eu deveria cuidar do meu coração agora, que não era pra pensar tanto no futuro, até porque “a sua conta está errada, minha querida. Você está racionalizando demais o seu futuro, você excluiu toda emoção e sentimento na história. Sem elas, você não tem história”. Disse para ter calma nos olhos e no coração. Me disse também que não resolveria todos os meus problemas, que não daria uma solução mágica, que ainda sentiria dor, raiva e tristeza. Mas me disse isso. Calma nos olhos, cuida do seu coração. As coisas vão ficar bem. Me disse para pensar sempre em árvores e em crianças, que são belas. Então perguntei a ela: “Para que servem teus galhos?”, ainda devia estar incrédula, ainda devia procurar sentido nas coisas. A Árvore me respondeu com a naturalidade e amor de uma criança: “Porque tem vida!” . Isso me emocionou bastante, porque sempre, sempre vi os galhos das árvores clamando, chamando por vida. Nunca olhei pra eles exatamente como eles são na sua origem: Vida. Existem porque tem seiva, tem força, tem energia ali que extravasa e faz os galhos crescerem.
Depois disso, a Árvore continuou me ensinando coisas. Para ser leve, que a vida não é uma equação, tem outra justiça, outra verdade muito além e bonita das coisas que vemos no dia a dia. Me disse também outra coisa tão bonita: “Árvores são mães que estão longe dos filhos. Nós lhe damos sombra quando precisam, conselhos, belezas simples e radiantes como cada folha nossa. E nós te abraçamos e curamos as coisas que lhe afligem”.
Nesse momento, me senti abraçada. Senti meus olhos sendo abraçados também. Senti amor, não vi mais motivo de dor. Olhei para os meus pés nesse instante e vi um gafanhoto gigante, gordo e imensamente verde. Na ponta dos pés. Dizem que é sinal de boa sorte, sorri de novo e agradeci.


Me levantei, me senti amada. E cada árvore que encontrava no caminho, era mãe que me dizia que ia ficar bem, que podia caminhar sem medo. Que a vida é linda. Pois há vida em cada grão dela.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Eppur si muove ad infinitum

De tempos em tempos - alguns tempos maiores do que outros - me vejo de volta a este lugar com palavras que me lembram folhas de outono. É paz que alivia os olhos cotidianos.
A primeira coisa que pensei nessa longa ausência foi que escrevia sempre as mesmíssimas coisas, que deveria me deixar em banho maria para florescer mais;só assim chegaria perto do inatingível e intacto do mundo.
Nunca pensei em formular coisas bonitas e leves. O que mais me importa e é visceral para mim é ser
verdadeira e inteira com quem quer que seja e em que momento for. Se por acaso isso é leve, é por sorte do destino que fez dos obstáculos verdadeiras pedra sabão e estouro as bolhas todas
brinco com elas todas
quero me molhar e enganar o destino
sou espectro e luz em todas as cores. 
Não te digo que sou forte nem corajosa.
DIGO: A vida está cá na mesa e não é eterna, tampouco sei como viver. 
Mas sei que dura.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Há saudade

Peço licença ao passado, oro pelo presente.
Sinto saudades de casa. E quando tento dizer do quê, é difícil arrumar palavras, decodificar e comunicar o que sentia infinitamente por intensidade de olhar.
Eu sinto saudade da luz que entrava na varanda do quarto de minha mãe e me fazia ter certeza da beleza do mundo. Saudade de sua cor púrpura - das paredes aos olhos profundos que me doavam cumplicidade.
Do início da escada; era tão lindo olhar pra cima e ver o vitral colorido, olhar pro lado e ver o quintal, ouvir os pássaros, sentir o vento que me enchia e trazia consigo as folhas lá de fora. Saudade da garagem; a garagem que não tem carros, tem mesa e balanço pra gente que gosta de gente conversar. O quartinho da bagunça! dormir na rede ouvindo música, sentir a felicidade de encontrar um livro esquecido, olhar pra rua e me deparar com silêncio.
Saudade de toda luz.

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