sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Coadjuvantes


Conte-lhe o sofrimento das cadeiras perplexas, três, quatro pernas tão frágeis e dispostas ao medo.
 Nelas coloca-se todo o peso; peso do corpo flácido, flagelado, das caixas de mantimentos para um mês que não se esvai... que se mantém a pensar que um dia tudo há de acabar, amém às validades. Peço-lhe piedade às cadeiras: imóveis, a loucura resta com elas, gosto não tem pernas, as cadeiras têm pernas, não dormem. É preciso resistir, avisem-nas.
Pobres noturnas com sangue pulsando, da ferrugem pó-a-pó  far-se-à o céu de estrelas que elas, nossas cadeiras, só conhecem pelo vinho derramado na sala. O cheiro próximo de sexo. A distância dentro da casa vazia; fome.
 Peço-lhe delicadamente, pequeninamente: dê às cadeiras uma noite de sono, tombe os arcos para que a lua esteja nas nucas gélidas dessas cadeiras tão solitárias, trabalhadeiras, mas não deixe as quatro pernas torcidas a esperar a luz, deite os ombros suavemente em silêncio. Há um vácuo nas estrelas, pensam.
 Teus corpos vazados, tuas costelas geométricas, tuas pernas rígidas, tão pobres, tão oxidadas. Coloquemos nosso colo à mesa, os cabelos, pelo menos nossos cabelos acariciando as dores que essas cadeiras sentem, façamos arrepios; cristais, dores, agudo mundo. Não toquemos sua pele concreta – férrica. Larguemos apenas os cabelos. Ouça o canto feérico dessas cadeiras-sereias, abandonos que nos levam ao gozo. Amanhã elas estarão cá dentro – maliciosamente mudas.

   Bates à porta; ninguém há .

Um comentário:

  1. Eu, definitivamente, te subestimava. Tão linda quando Gonçalo lindo, talvez mais porque és (e aqui uma palavra ainda não inventada). Ai, que inveja de ser linda assim e de escrever assim! E que orgulho.

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