Conte-lhe o sofrimento das cadeiras perplexas, três, quatro pernas tão
frágeis e dispostas ao medo.
Nelas coloca-se todo o peso; peso do corpo flácido, flagelado, das
caixas de mantimentos para um mês que não se esvai... que se mantém a pensar
que um dia tudo há de acabar, amém às validades.
Peço-lhe piedade às cadeiras:
imóveis, a loucura resta com elas, gosto não tem pernas, as cadeiras têm
pernas, não dormem. É preciso resistir, avisem-nas.
Pobres noturnas com sangue pulsando, da ferrugem pó-a-pó far-se-à o céu de estrelas que elas, nossas
cadeiras, só conhecem pelo vinho derramado na sala. O cheiro próximo de sexo. A distância dentro da casa vazia; fome.
Peço-lhe delicadamente, pequeninamente: dê às cadeiras uma noite de sono, tombe os
arcos para que a lua esteja nas nucas gélidas dessas cadeiras tão solitárias,
trabalhadeiras, mas não deixe as quatro pernas torcidas a esperar a luz, deite
os ombros suavemente em silêncio. Há
um vácuo nas estrelas, pensam.
Teus corpos vazados, tuas costelas geométricas, tuas pernas
rígidas, tão pobres, tão oxidadas. Coloquemos nosso colo à mesa, os cabelos, pelo menos nossos
cabelos acariciando as dores que essas cadeiras sentem, façamos arrepios;
cristais, dores, agudo mundo. Não toquemos sua pele concreta – férrica.
Larguemos apenas os cabelos. Ouça o canto feérico dessas cadeiras-sereias,
abandonos que nos levam ao gozo. Amanhã elas estarão cá dentro –
maliciosamente mudas.
Bates
à porta; ninguém há .
Eu, definitivamente, te subestimava. Tão linda quando Gonçalo lindo, talvez mais porque és (e aqui uma palavra ainda não inventada). Ai, que inveja de ser linda assim e de escrever assim! E que orgulho.
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